Só que há um tipo de parede que os carros conseguem atravessar – e fazem isso há muito tempo. É o muro de ar, cuja resistência os carros têm que vencer para se mover.
Não é fácil pensar no ar ou no vento como um parede. Em baixa velocidade, em dias com pouco vento, é difícil perceber como o ar interage com nossos veículos. Mas em alta velocidade, ou sob vento excepcionalmente forte, a resistência do ar (a força que o ar exerce sobre um objeto em movimento – também chamada de arrasto) tem enorme efeito sobre a aceleração, a dirigibilidade e o consumo de um carro.
Nesta hora entra em cena a ciência da aerodinâmica. Aerodinâmica é o estudo do ar em movimento e das forças exercidas por ele sobre objetos sólidos [fonte – Nasa, em ingles]. Há décadas se projetam carros tendo em mente a aerodinâmica, e os fabricantes de carros puseram em uso inovações que tornam mais fácil cortar o muro de ar, diminuindo seu efeito adverso.
Na essência, projetar um carro levando em consideração o fluxo de ar significa que ele vai ter menos dificuldade para acelerar e vai ter menor consumo de combustível porque o motor não tem que trabalhar tanto para empurrar o carro através da parede de ar.
Os engenheiros desenvolveram várias maneiras de fazer isso. Por exemplo, para que o ar flua ao redor do carro com a menor resistência possível, as carrocerias são arredondadas e têm partes que canalizam o ar. Alguns carros de alto desempenho têm até partes projetadas para levar o ar a se mover de forma suave sob sua parte inferior. Em determinados modelos há aerofólios (também chamados de asas ou spoilers) para evitar que o ar “puxe” para cima o carro – criando sustentação, o que diminui sua estabilidade. Mas na maioria dos carros a suposta peça aerodinâmica está lá apenas como enfeite – você verá a explicação adiante.
Neste artigo vamos examinar a física da aerodinâmica e da resistência do ar e a história de como os carros têm sido projetados levando isso em conta, além de explicar por que a tendência de carros ecológicos dá mais importância que nunca à aerodinâmica.
A ciência da aerodinâmica
Antes de ver como a aerodinâmica é aplicada aos automóveis, vamos refrescar a memória em relação à física, para entender a ideia básica.Conforme um objeto se move pela atmosfera ele desloca o ar que o cerca. O objeto também fica sujeito à gravidade e ao arrasto. O arrasto é gerado quando um objeto sólido se move através de um meio fluido como a água ou o ar. O arrasto aumenta com a velocidade – quanto mais velozmente o objeto se move, mais arrasto ele sofre.
Medimos o movimento de um objeto usando os fatores descritos nas Leis de Newton (em inglês). Estão incluídas massa, velocidade, peso, força externa e aceleração.
O arrasto tem efeito direto sobre a aceleração. A aceleração (a) de um objeto é seu peso (P) menos o arrasto (Fa) dividido por sua massa (m). É bom lembrar que o peso é a massa de um objeto multiplicada pela força de gravidade que atua sobre ele. Seu peso mudaria na Lua porque a gravidade lá é mais baixa, mas sua massa permaneceria a mesma. Para simplificar:
a = (P - Fa) / m
(fonte: Nasa - em inglês)
Conforme um objeto acelera, sua velocidade e o arrasto aumentam, até que o arrasto seja igual ao peso – situação em que não há mais aceleração. Digamos que o objeto nessa equação seja um carro. Isso significa que conforme o carro se move cada vez mais rápido, mais e mais ar se opõe a ele, limitando sua aceleração e sua velocidade.
Como isso se aplica ao projeto de um carro? Bem, é útil para descobrir um número importante – o coeficiente de arrasto. Esse é um dos fatores primários a determinar quão facilmente um objeto se move cortando o ar. O coeficiente de arrasto (Cx) é igual ao arrasto (Fa) dividido pelo produto da velocidade (V) ao quadrado multiplicada pela área (A) multiplicada por metade da densidade do ar (p). Para facilitar a leitura:
Cx = Fa / (A * 0,5 * p * V^2)
O coeficiente de arrasto
Acabamos de ver que o coeficiente de arrasto (Cx) é um número que mede a força exercida sobre um objeto – por exemplo, um carro - pela resistência do ar. Agora imagine a força do ar contrária ao carro conforme ele se move numa rodovia. A 120 km/h a força agindo contra o carro é quatro vezes maior que a verificada quando o carro está a 60 km/h [fonte: Elliott-Sink - em inglês].
A capacidade aerodinâmica de um carro é medida usando o coeficiente de arrasto do veículo. Na essência, quanto mais baixo o Cx, mais aerodinâmico é o carro – e mais facilmente ele se move através da parede de ar contrária a ele.
©iStockphoto.com/TIM MCCAIG A forma aerodinâmica do Toyota Prius é um dos fatores que o ajudam na economia de combustível |
Vamos ver alguns números de Cx. Por exemplo, dos modelos quadradões daVolvo (em inglês) da década de 70 e 80 do século passado. Um Volvo 960 sedã tem Cx de 0,36. Os Volvo mais novos são muito mais suaves e curvilíneos – e um S80 sedã tem Cx de 0,28 [fonte: Elliott-Sink - em inglês]. Isso mostra uma coisa que você talvez já tenha deduzido – formas mais suaves e afiladas são mais aerodinâmicas que os “caixotes”. Por que isso acontece?
É bom dar uma olhada na coisa mais aerodinâmica da natureza – uma gota de água. Ela é suave e arredondada, e se afina no topo. O ar flui suavemente ao seu redor conforme ela cai em direção ao solo. Sucede o mesmo com os carros – superfícies suaves e arredondadas permitem que o ar flua ao redor do veículo, reduzindo o “empurrão” do ar contra a carroceria.
A maioria dos carros atuais tem um Cx de perto de 0,30. Utilitários esportivos, que tendem a ser mais quadradões que os carros, porque são maiores, levam mais gente e frequentemente precisam de grades mais amplas para ajudar a refrigerar o motor, têm Cx entre 0,30 e 0,40. Naspicapes (em inglês), propositalmente quadradonas, o número fica próximo a 0,40 [fonte: Siuru - em inglês].
Muita gente contestou o visual “único” do Toyota Prius, um carro híbrido, mas ele tem uma forma extremamente aerodinâmica por uma boa razão. É uma de suas características de eficiência, com seu Cx de 0,26 ajudando na obtenção de um consumo baixíssimo. A redução do Cx de um carro em 0,01 pode diminuir o consumo em 0,09 km/l [source: Siuru - em inglês].
A história do projeto aerodinâmico dos carros
©iStockphoto.com/John W. DeFeo Esses carros antigos são exemplos de como quase nada se conhecia sobre veículos aerodinâmicos no início do século 20 |
Os primeiros carros não tinham nada de aerodinâmicos. Dê uma olhada no Ford T(em inglês), com sua carroceria bem quadrada – na verdade, parecida com uma carroça sem cavalos. Muitos desses carros mais antigos não tinham que se preocupar com a aerodinâmica porque eles eram relativamente lentos. Mesmo assim, alguns carros de corrida do início do século 20 incorporavam alguma coisa em afilamento e dispositivos aerodinâmicos.
Em 1921 o inventor alemão Edmund Rumpler criou o Rumpler-Tropfenauto (carro gota d’água). Baseado na forma mais aerodinâmica da natureza, a gota d’água, ele tinha Cx de apenas 0,27, mas seu visual peculiar não atraiu o púbico, e apenas cerca de 100 foram produzidos. [fonte: Price - em inglês].
Do lado dos EUA, um dos maiores passos adiante surgiu na década de 1930, com o Chrysler Airflow. Inspirado em pássaros voando, o Airflow foi um dos primeiros carros projetados levando em consideração a aerodinâmica. Embora usasse técnicas de fabricação exclusivas e tivesse distribuição de peso quase 50/50 (igual distribuição de peso sobre as rodas dianteiras e traseiras, para melhor dirigibilidade), os consumidores da época da Grande Depressão (em inglês) não mostraram entusiasmo por seu visual ortodoxo, e o carro foi considerado um fracasso. Mas seu desenho afilado estava muito à frente de seu tempo.
Nos anos 50 e 60 alguns dos maiores avanços na aerodinâmica dos carros tinham vindo das corridas. No começo os engenheiros fizeram experiências com diferentes projetos, sabendo que formas alongadas podiam ser úteis para tornar os carros mais velozes - e mais estáveis em alta velocidade. Depois isso se transformou numa ciência, dedicada a produzir os carros de corrida mais aerodinâmicos. Aerofólios e defletores dianteiros e traseiros, “narizes” com formas que ajudam a “furar” o ar e kits aerodinâmicos se tornaram cada vez mais comuns, sempre com a intenção de fazer o ar fluir sobre o carro e criar sustentação negativa nas rodas dianteiras e traseiras. [fonte: Formula 1 Network - em inglês].
Empresas como Lotus, Citroën e Porsche desenvolveram carros muito aerodinâmicos para vender ao público, mas na maioria das vezes eram carros esporte de alto desempenho, e não modelos para o uso no dia a dia por motoristas comuns. Isso começou a mudar nos anos 1980 com o Audi 100, um sedã com um até então inédito Cx de 0,30. Atualmente quase todos os carros são projetados com alguma preocupação com a aerodinâmica [fonte: Edgar - em inglês].
O que ajudou a provocar essa mudança? A resposta é o túnel de vento. Na próxima página vamos explicar como o túnel de vento se tornou essencial no projeto automobilístico.
O túnel de vento nas medições de arrasto
Para medir a eficiência aerodinâmica de um carro, em tempo real, os engenheiros da indústria automobilística tomaram emprestada uma ferramenta da indústria aeronáutica – o túnel de vento.
Basicamente, um túnel de vento é um enorme tubo com ventiladores que dirigem um fluxo de ar a um objeto em seu interior. Pode ser um carro, um avião ou qualquer outra coisa cuja resistência ao ar os engenheiros precisem medir. Numa sala anexa ao túnel os engenheiro estudam como o ar interage com o objeto – a maneira como as correntes de ar fluem sobre as variadas superfícies.
©iStockphoto.com/Kiyoshi Takahase Segundo Carros (e aviões) usam túneis de vento para testarem a aerodinâmica |
O carro ou avião dentro do túnel nunca se move, mas os ventiladores criam vento a diferentes velocidades, para simular as condições do mundo real. Algumas vezes não é usado um carro de verdade – os projetistas se baseiam em modelos em escala de seus veículos na medição da resistência do ar. Conforme o vento se desloca sobre o carro no túnel, computadores calculam o coeficiente de arrasto (Cx).
Os túneis de vento não são nenhuma novidade. Eles começaram a ser usados no final do século 19 para medir o fluxo de ar em muitas experiências com os primeiros aviões. Até os irmãos Wright (em inglês) tinham um. Depois da Segunda Guerra Mundial, engenheiros ligados a competições automobilísticas começaram a usar túneis de vento, em busca de uma vantagem em relação aos concorrentes, medindo a eficiência dos dispositivos aerodinâmicos de seus carros. Mais tarde essa tecnologia passou a ser empregada em carros de passageiros e de carga.
Só que de alguns anos para cá os gigantescos túneis de vento de milhões de dólares têm sido cada vez menos usados. Simulações em computadores começam a substituir os túneis de vento para avaliar a aerodinâmica de carros e aviões. Em muitos casos, os túneis de vento quase servem apenas para checar se são precisas as simulações no computador [fonte: Day - em inglês].
Muita gente acha que instalar um mero defletor na traseira de um carro ajuda a torná-lo mais aerodinâmico. Na próxima parte deste artigo vamos examinar diferentes tipos de dispositivos aerodinâmicos para carros – e saber seu papel no desempenho e no consumo de combustível.
Dispositivos aerodinâmicos
A aerodinâmica envolve mais do que apenas o arrasto – há outros fatores, chamados sustentação e downforce (sustentação negativa). Sustentação é a força que se opõe ao peso de um objeto, elevando-o e mantendo-o no ar. A sustentação negativa é seu oposto – uma força que empurra o objeto em direção ao solo [fonte: Nasa - em inglês].
Você acha que o coeficiente de arrasto de um carro de F-1 é superbaixo? Afinal, um carro superaerodinâmico deve ser muito veloz. Bem, não é assim num F-1. Os carros dessa categoria têm Cx por volta de 0,70.
©iStockphoto.com/Tan Kian Khoon Os carros de F-1 são aerodinamicamente projetados para gerar o máximo de downforce (sustentação negativa) |
Por que um supercarro que supera 330 km/h não é lá muito aerodinâmico? Porque um F-1 é projetado para ter o máximo possível de downforce. Pelas altíssimas velocidades atingidas – e por seu baixíssimo peso (em inglês) – esses carros começam a ter sustentação e tendem a decolar, como um avião. Obviamente carros não devem voar, e se um carro perde o contato com o chão quando em alta velocidade pode haver um sério acidente. Por isso, a sustentação negativa deve ser ampliada - e a forma de fazer isso leva a um elevado Cx.
Os carros de F-1 conseguem sustentação negativa graças a aerofólios ou defletores montados na frente e na traseira. Os aerofólios criam diferenças de pressão que literalmente empurram o carro em direção ao solo – é a sustentação negativa. Isso aumenta a velocidade em curvas, mas tem que ser cuidadosamente balanceado para que o carro tenha velocidade suficiente nas retas. [fonte: Smith - em inglês].
Vários carros de rua têm acessórios aerodinâmicos que geram sustentação negativa. O Nissan GT-R, por exemplo, criticado por sua aparência, tem a carroceria toda projetada para permitir que o ar flua sobre o carro e chegue ao aerofólio traseiro ovalado, gerando um bocado de downforce. Na Ferrari 599 GTB Fiorano (em inglês) as colunas B (atrás dos bancos) vazadas canalizam o ar para a traseira, reduzindo o arrasto [fonte: Classic Driver - em inglês].
Mas e os defletores e outras peças aerodinâmicas em carros do dia a dia? São realmente aerodinâmicos? Em alguns casos, os dispositivos aumentam a estabilidade em alta velocidade. Por exemplo, o Audi TT inicialmente não tinha um defletor no capô traseiro, mas a Audi instalou um quando se descobriu que a carroceria arredondada criava muita sustentação, o que pode ter provocado acidentes [fonte: Edgar - em inglês].
Só que na maioria dos casos a colocação de um grande aerofólio na traseira de um carro comum não vai melhorar muito o desempenho nem a dirigibilidade – se é que vai melhorar alguma coisa. Em alguns casos, pode haver piora no comportamento do carro – que pode, por exemplo, ter dificuldade em fazer curvas, ou passar a sair de frente.
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