FNM 2150

Uma joia clássica como Niemeyer e arrojada como Brasília


Considerando a expectativa de vida do brasileiro, de 72 anos, 10 meses e 10 dias, Juscelino Kubitschek já teria morrido. Se tivesse vencido a estatística (e o acidente que tirou sua vida, em agosto de 1976), ele teria hoje 107 anos. Esperamos que Oscar Niemeyer, o homem que realizou o sonho de JK de erguer Brasília, chegue lá: ele está a caminho de completar 103 anos em dezembro. Para um homem, 107 anos é uma idade improvável; para um carro, é uma meta possível - especialmente se a raridade é mantida por colecionadores como o engenheiro Wanderlei Natali, dono do FNM 2150 ano 1969 desta reportagem. Aqui, prestamos homenagem aos dois JK (o homem e o carro), a Brasília (que acaba de completar 60 anos) e também a Niemeyer, autor, entre outras obras, do Auditório Ibirapuera, em São Paulo, cenário destas fotos.

RESSALTO

Lançado no mesmo dia da inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960, o FNM 2000 nasceu como Modelo JK, em homenagem ao presidente Juscelino. O carro desta reportagem se chama 2150 porque, no fim de 1968, durante o Salão do Automóvel de São Paulo, ele recebeu melhorias - uma delas no motor, que passou dos 1.975 cm³ de cilindrada originais para 2.132 cm³. De resto, apenas cosmética, como a adoção do capô liso igual ao da versão esportiva Timb (sigla para "Turismo Internacional Modelo Brasil"). No FNM 2000, o "Cuore Sportivo" não se limitava à grade dianteira, mas subia pela frente do carro e impunha à tampa do motor um ressalto elegante, embora fora de moda para a época.
Se você reparar nas fotos do nosso fenemê (como os veículos da Fábrica Nacional de Motores eram tratados), vai achar que caímos em contradição: o carro tem a dianteira do FNM 2000, com o ressalto descrito acima. Mas garantimos que é um 2150. E aqui começa a história deste exemplar.

O painel, com o quadro de instrumentos retangular e velocímetro de cinta, é do FNM 2000. O carro não foi restaurado - ainda assim, encontrase em excelente estado

DUAS CABEÇAS

Comprado zero-quilômetro pelo engenheiro Pedro Paulo de Saboia Campos, o carro foi reservado no próprio Salão do Automóvel em que ele foi apresentado.
A entrega começou a demorar demais e Campos passou a ligar todos os dias para o vendedor até perder a paciência, em abril de 1969, e ir pessoalmente à fábrica, localizada em Xerém, na região de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, buscar seu carro.
O que viu foi desanimador: um amontoado de veículos incompletos - o seu carro, inclusive. Faltava a parte frontal e o novo painel, com instrumentos separados e circulares. O do FNM 2000 tem quase todos os mostradores integrados em dois painéis lineares, o superior destinado ao velocímetro (de cinta) e os inferiores ao nível do tanque, temperatura do óleo e da água. Nesta composição, o único mostrador circular é o conta-giros, que fica em posição de destaque.
Diante da falta de peças, Campos não teve dúvida: mandou colocar a dianteira e o painel do modelo antigo em seu carro e saiu da fábrica rodando com ele. No mercado de carros usados, a expressão "duas cabeças" se refere ao veículo com ano-modelo posterior ao ano de sua fabricação. Não temos notícia, de todo modo, de um modelo que expresse fisicamente esta dualidade. Isso já tornaria o carro de Natali ainda mais raro. Mas há outro aspecto que só valoriza o modelo: o FNM 2150 é inteiramente original, nunca foi restaurado.

REI POSTO, REI VIVO

Juscelino Kubitschek virou nome de um dos modelos do FNM. O presidente João Goulart, o Jango, também: a versão esportiva do carro, a Timb, recebeu o nome Jango. Ambos os nomes foram apagados do catálogo da Fábrica Nacional de Motores depois do golpe militar de 1964. Do catálogo, como dissemos, porque, até hoje, quem vê um FNM 2000 ou um FNM 2150 rodando não hesita em dizer: "Olha o JK!". E não está tão errado assim.

Por 17 anos este FNM ficou encostado na garagem do primeiro dono

Prova disso são os bancos de couro algo ressecado, mas ainda confortáveis. O rádio Becker Mexico TR, que ajudou Campos a vencer a viagem de volta para casa, continua no mesmo lugar. O carro era um presente para a esposa do engenheiro. Ao longo de 20 anos, ela rodou cerca de 81 mil quilômetros com seu FNM, mas começou a achá-lo pesado demais. Campos resolveu deixar o carro descansar.
Por 17 anos. Foi aí que as histórias do carro e de Wanderlei Natali se cruzaram.

AÇO BRILHANTE

"Vi o carro anunciado no
Estadão durante seis meses. Tive vontade de ir vê-lo, mas fui adiando: sabia que seria paixão à primeira vista. Não aguentei muito tempo. E quando finalmente o vi, fiquei impressionado. O antigo dono nem colocou o FNM em cavaletes, só enchia os pneus e engatava a quinta marcha de vez em quando para empurrá-lo para a frente e para trás para que o motor não travasse", lembra Natali.
Ele fechou negócio, trocou as borrachas, retentores, fluidos e colocou o carro para funcionar. "Pegou de primeira."

O motor de quatro cilindros e 2.132 cm3 rendia 125 cv. Segundo dados de fábrica na época, o FNM podia chegar aos 165 km/h

E continua íntegro como quando saiu de Xerém. Rodando, o FNM 2150 deve muito pouco a modelos modernos. Os freios, com enormes tambores de alumínio, não têm a mesma refrigeração dos discos, nem a mesma assistência (quem quiser frear deve pisar no pedal com vontade), mas dão conta de parar o sedã com segurança. O câmbio é de cinco marchas, com alavanca no assoalho. Os retrovisores, pequenos, deviam ser suficientes para o trânsito tranquilo dos anos 1960, mas mostram que esse senhor se ressente dos óculos antigos e de grau inferior ao necessário nos dias de hoje.
Entre as particularidades do modelo estão os elementos brilhantes da carroceria, como os para-choques. Se você achar que são cromados, vai cair do cavalo. Eles são de aço inoxidável. Os pneus também são originais. Prova da resistência ao domínio norte-americano nas medidas, em polegadas, os do FNM são em milímetros (400, mais precisamente). Quando for preciso substituí-los, Natali terá de mandar trazê-los da França.


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